quinta-feira, agosto 23, 2007

A crise dos 30, aos 22….

Tem vindo a ser um tema recorrente. Sinto que já não tenho uma vida inteira pela frente. Hoje, num daqueles acasos bons, encontro alguém que partilha o mesmo estado de espírito. “Os de 80 já são todos maiores de idade”. “Os miúdos não sabem o que são carrinhos de rolamentos nem walkman’s!”. Por outro lado sabem muito bem o que é uma playstation e dominam mais a informática do que os próprios pais. Não que ache isso mau, é apenas outra forma de aprender o mundo, ainda que muitas vezes seja mais solitária do que jogar às escondidas no jardim ou futebol no campo improvisado do nosso bairro. Nós também não brincámos ao peão. É apenas uma mudança de formato. Mas faz-nos sentir velhos, da “old school” como dizias.

Vemos os miúdos, de 13, 14 anos, em grandes concertos e férias sozinhos, coisa inimaginável no nosso tempo. Mas se por um lado se parecem mais adultos, pelas permissões, roupas, cigarros no dedo e copos de cerveja na mão, por outro lado talvez não tenham brincado o suficiente, nem aprendido o necessário sobre a vida, já que ainda estão em maturação e daí resultam os comportamentos irresponsáveis que quase parecem contraditórios com a liberdade que possuem.

Já passámos essa fase.

Alguns de nós deixaram a escola e estão agora casados e com filhos. Outros para lá caminham, sem nunca terem saído muito do mesmo meio e dos velhos hábitos. Poucos de nós seguiram a vida académica. E até essa está a acabar. Estamos a correr para o mundo do trabalho sem ter tido o tempo suficiente para viver os tempos do traje negro, deixamos de ter os horários flexíveis que nos permitiam fugir da rotina, deixamos de ver aquelas mesmas pessoas no bar, todos os dias… Pode parecer cliché mas é verdade, o tempo não volta atrás. E é isso que neste momento me causa uma espécie de nostalgia por tudo o que foi e uma revolta por tudo o que podia ter sido. Continuo a achar que não vivi o suficiente e já levo algum atraso nas andanças da vida. Olho para a frente e vejo um nine-to-five job (na melhor das hipóteses), contas para pagar e pessoas para cuidar.

Tens razão querido Diogo, estes podem ser os melhores tempos da nossa vida e podemos não conseguir viver tudo o que queremos agora. E sim, as pessoas têm muito medo de parecer crianças, mas é tão bom ir ao toys’r’us e brincar com tudo aquilo que não tínhamos na nossa infância!

Pareço uma velha a falar, eu sei e ainda não cheguei aos 30! Mas sinto, cada vez mais, o tempo escorrer-me através dos dedos sem conseguir fazer tudo o que quero com ele.

Serei talvez uma day dreamer com mais sonhos do que vidas.

quarta-feira, agosto 22, 2007

domingo, agosto 19, 2007

Mais uma vez, deparo-me brutalmente com a efemeridade da vida… Hoje foi dia de visitar aqueles que já ouviram as fatais palavras de um médico: “Não há nada a fazer…”
Resignados nos seus últimos dias, recebem visitas que não podem dizer “as melhoras” ou “vai tudo correr bem!”. Encarno, de novo, o Homem Absurdo de Camus ou Raúl Brandão… O ridículo da morte…
Pensamentos que se cruzam com o meu caminho mental dos últimos dias…
Estas foram pessoas de luta e entrega… Viveram (desperdiçaram?) as suas vidas em nome de um ideal de sacrifício e privação, que os levaria um dia ao “Céu”. Dizem agora que isto é apenas uma passagem… De que vale existir durante 60, 70, 80 anos a esperar por algo que não se sabe se vem? Será que valeu a pena?

Toda a gente fala no céu, mas quantos passaram no mundo sem ter olhado o céu na sua profunda, na sua temerosa realidade? O nome basta-nos para lidar com ele. Nenhum de nós repara no que está por detrás de cada sílaba: afundamos as almas em restos, em palavras, em cinzas.” (pp. 18)

A morte é absurda, mas mais ainda é existir e penar, no único minuto que temos entre o nada e o nada. A haver um Céu, seriam dele merecedores os conformistas, apáticos em esperas vãs, numa vida de causalidades atribuídas a entidades exteriores? A haver um Céu, quais seriam os critérios? Inertes ou lutadores?

“Que outra coisa fizeste na vida senão esperar a morte?” (pp.41)

“Então para que nasci? Para ver isto e nunca mais ver isto? Para adivinhar um sonho maior e nunca mais sonhar? Para pressentir o mistério e não desvendar o mistério?” (pp.41)

Antes, estas e outras palavras derrotistas e absurdas, retiradas do meu fiel Húmus, livro de cabeceira, ao qual faltam ler 10 páginas desde há 3, 4 anos, faziam-me todo o sentido. Com o tempo fui aprendendo a roubar vida a esta existência efémera e hoje não me consigo ver de outra forma. Agora eu deixei de ser Raúl Brandão para ser o Gabiru e acreditar no sonho.

Ultimamente tenho pensado (é mais um “sonhar acordado” do que outra coisa) na minha vida daqui a um ano. Emprego, independência financeira, finalmente um substrato para as minhas viagens, para a fotografia, para tudo o que hoje não posso fazer, apesar de até ter tempo. Yaris passaria a ser meu e não teria tantas limitações espaciais. Era mais uma vez a estrada a chamar-me. Mais uma vez a realidade acorda-me para me lembrar das células manhosas, das velhices, das incapacidades e da minha condição de “bombeira” solitária.

Hoje revolto-me por várias razões. Pelo absurdo da morte. Pelo absurdo da morte anunciada para quem não fez outra coisa na vida que não esperar o que vem depois da morte. Pelo absurdo da morte para quem ainda não acabou tudo o que queria fazer nesta vida. Revolto-me mais ainda por não ser a morte a única a levar-nos os sonhos. Não quero ficar parada. Não caibo nestas quatro paredes, preciso de partir… E quando mais me aproximo do cume da montanha das possibilidades, mais me puxam os pés em direcção ao vale.

“É tudo tão fugaz e tão breve”. Ouço e ouço e sei que tenho que arrancar madrugadas e gargalhadas mas não consigo acreditar que nem tudo o que nos ata nos pode prender… Tento, cada vez mais, lutar contra esta efemeridade e não fazer demasiados planos nem embarcar em princípios e promessas vazias. Naqueles breves segundos antes de tudo acabar, quero saber e sentir que agi sempre consoante aquilo que era verdade para mim. Talvez por isso as árvores hoje pareciam mais verdes e o rio mais brilhante. Estou farta de perder tempo em adiamentos!! Estou farta de viver na mediania em todos os sentidos (excepto talvez o intelectual que é onde ainda consigo ir mais longe)! Quero partir!! Será que algum dia terei a possibilidade de fazer aquilo que preciso para ser uma pessoa realizada? (Ou pelo menos mais perto da realização, para não estabelecer objectivos não plausíveis.). Sei o que quero, mas será que a vida sabe? E porque é que não me deixa? Antes contava os anos que me faltavam até angariar os fundos necessários. Agora já nem olhar para o calendário me conforta e sinto-me, cada vez mais, a sufocar.

Acima de tudo, quero viver para evitar a imagem que me ocorre constantemente: velhinha enrrugada, a definhar numa cama, ao lado de alguém que não foi O grande amor, a recordar as viagem que queria ter feito, as pessoas que gostava de ter conhecido, os trabalhos que gostava de ter tido, a pessoa que gostava de ter sido.

será?

quinta-feira, agosto 16, 2007

O calor solitário de uma casa que dorme. Corpos espalhados, quietos, adormecidos, escondidos do sol que já ia alto. Aquela vontade de encontrar um lugar que sinta meu e que não se encontra verdadeiramente sob os efeitos alucinogénios das luzes e sons. Agarro na primeira câmara que encontro na mesa e saio em direcção às falésias. E os meus pés de chinelo movem-se pelos grandes arenitos, através dos arbustos de camarinhas e os sedimentos férreos que se soltavam arriba abaixo. Acompanhada pelos gritos das gaivotas e os sons ténues das ondas que rebentavam nos penhascos, a minha voz tomava forma, sem que a conseguisse parar….
I don't know why
But I cant seem to find the right melody today
I can't make the words fit how I feel
A meio desta caminhada quase mística, apercebo-me mais uma vez de que “tudo é como deve ser”, tal como a Noite na Selva Aguaruna. Tudo está no seu lugar, num equilíbrio imperturbável. Sinto-me mais uma vez lisonjeada por poder assistir ao espectáculo da natureza. À imponência das encostas escarpadas, aos voos acrobáticos das gaivotas barrigudas, às flores selvagens ondulando ao vento.

I woke up from the strangest dream
With a dancing dog and a beauty queen
They said nothing, nada, niente
I'm empty

Viagens no tempo que não consigo evitar e que me fazem sentir um pouco mais a pertença a este mundo. Não assumo todas as culpas por esta fuga. Há algo que me continua a empurrar na busca do meu lugar. Este é mais um que fica tatuado na minha alma desenraizada e meio vazia. “Para onde caminhamos nós? Sempre para casa!” (Novalis).
Apercebo-me que já passou muito tempo e regresso pelo mesmo caminho, embora os passos comecem a apressar-se à medida que vou caminhando. Abro a porta. A casa já tinha acordado e assustam-se os rostos com a minha chegada sem saída anunciada. Segue-se um dia de praia, risotas, parvoíces, álcool, luzes, canções, corpos dançantes e um sono sem sonhos, que me fazem esquecer, momentaneamente, a procura e o vazio.


Voltamos todos à falésia, numa caminhada em que me desprendo das conversas e me perco numa nova contemplação. O regresso à realidade faz-se num lanche entre arbustos e escarpas, em toalhas empoeiradas que servem de cama à sesta vespertina.




Perdidos em olhares, gargalhadas e muita, muita partilha, fugimos do mundo quotidiano das nossas, mais ou menos, preenchidas vidas. E como é bom acordar assim para dias totalmente feitos por nós e para nós, dias que só acabam no dia seguinte, tendo o pôr-do-sol a marcar o meio das horas.



Regresso e parece que o tempo não passou. Tudo aqui está na mesma. As saudades nossas são muitas. Valeu a pena.



(Música by Skye Edwards; último pds, By Ema)

quarta-feira, agosto 15, 2007

Não poderia deixar passar a referência ao centenário do nascimento do grande Miguel Torga que continua a fazer-me companhia em noites de palavras que não se consequem escrever...
Ciganos
Tudo o que voa é ave.
Desta janela aberta
A pena que se eleva é mais suave
E a folha que plana é mais liberta.
Nos seus braços azuis o céu aquece
Todo o alado movimento.
É no chão que arrefece
O que não pode andar no firmamento.
Outro levante, pois, ciganos!
Outra tenda sem pátria mais além!
Desumanos
São os sonhos, também...
Começo
Magoei os pés no chão onde nasci.
Cilícios de raivosa hostilidade
Abriram golpes na fragilidade
De criatura
Que não pude deixar de ser um dia.
Com lágrimas de pasmo e de amargura
Paguei à terra o pão que lhe pedia.
Comprei a consciência de que sou
Homem de trocas com a natureza.
Fera sentada à mesa
Depois de ter escoado o coração
Na incerteza
De comer o suor que semeou,
Varejou,
E, dobrada de lírica tristeza,
Carregou.
Sísifo
Recomeça....
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...

sexta-feira, agosto 10, 2007


Hoje encontrei uma menina na praia. Dois elásticos coloridos prendiam um cabelo encaracolado por debaixo de um chapéu de ganga. Vinha do mar, trazendo consigo dois baldes de água, areia e conchinhas. Chorava dizendo que a mãe se tinha ido embora. Caminhava pesadamente entre as pessoas, de olhar vago perdido nas lágrimas que lhe escorriam pela face. Ao chegar perto da minha toalha, deixava já um rasto de olhares fixos na sua dor, olhares que eram disfarçados com um grito vago atirado ao filho ou um sacudir desatento de toalha. Afinal, a praia estava cheia de gente, “alguém há-de ajudar”.

Aproximei-me dela e mal lhe conseguia perceber o nome pelo meio das palavras soluçadas: “eles foram embora!”. Interessante como o sentimento de estar sozinho leva à percepção de abandono imediato e intencional. Rapidamente o desespero se converteu em angústia e a angústia em apatia. Já dificilmente lhe arrancávamos a cor do chapéu ou um ponto de referência. Caminhava de olhos pousados no chão como se tivesse desistido de procurar. Encorajamo-la a olhar em volta e, pouco depois, começa a caminhar numa direcção diferente, em silêncio, como se tivesse encontrado algo que já não esperava. Parou perto de algumas pessoas que pareceram não notar a sua presença. O meu olhar inquisidor denunciou a situação: “Ah estás aqui. A tua mãe estava à tua procura”. Fixa em nós o seu olhar vazio. Dizemos-lhe que vá. Despedimo-nos, tentando contagiar-lhe um sorriso. Vai!

quinta-feira, agosto 09, 2007


Perdermo-nos não é mais do que chegar a um lugar que não aquele que planeámos.

Aprendo isso muitas vezes e parece que existe uma tendência a ir esquecendo.

Passei os últimos dias irritada por terem estragado planos conjuntos de férias, decididos desde o ano passado. Abdiquei de maiores e mais ricos destinos, num espírito mais familiar, mas nem assim menos interessante, apenas por aquela semaninha que era só nossa, “de pés descalços e unhas pintadas”, com torta de chocolate como pequeno-almoço. A sensação não caber nestas quatro paredes caiu em mim como chumbo. Seria demasiado tempo aqui do que aquele que ia conseguir suportar. É estranho quando a nossa casa não corresponde ao lugar onde nos sentimos em casa.

Mais uma vez foi apenas uma situação que conduziu à possibilidade de abrir outra porta. Pondero prós e contras e salta sempre mais alto a ideia de partilhar dias com pessoas novas, algumas desconhecidas, e de poder redescobrir um lugar que me fascinou, há duas semanas atrás, por minha conta.

Este será, supostamente, o meu último ano de férias de dois meses. Já só falta um. O que quero eu fazer com estes dias? Mais do que o tédio de aqui estar me permite.

segunda-feira, agosto 06, 2007

Poucos lugares há em que me consiga sentir em casa. Os que vou encontrando vão ficando tatuados na minha pele, revisitados de tempos a tempos sem que a frequência banalize os encantos. A Quinta da Regaleira tem a força e imponência da Serra de Sintra e uma atmosfera mística que nos empurra para o que de mais profundo existe em nós. De cada vez que me passeio pelos seus jardins, túneis, salões ou poços, encontro sempre algo de diferente.

Desta vez surpreendeu-me uma porta que antes se encontrava selada.

Apesar de se encontrar no primeiro piso, eu sabia que aquela entrada me ia levar à torre. Um arrepio percorreu-me a espinha: é hoje! Mas não deixei que as pressas perturbassem a minha visão e demorei-me na escadaria. Subi e cada sala representa uma parte da essência da Quinta em tons escuros, um pouco desconfortáveis até, como se os próprios visitantes estivessem a fazer a sua viagem iniciática. Eu senti-me, mais uma vez, a iniciar-me na Regaleira.

É bom saber que existem lugares como este e que há pessoas que se preocupam em mostrá-los ao mundo em todo o seu esplendor, quer pela manutenção dos jardins e dos acessos, quer pelo restauro do Palácio e organização da exposição nos tons da essência do lugar.

Regaleira…
revisited





















domingo, agosto 05, 2007

Escuro e Luar

Feitos de chão, de chuva e sonho

Fora do tempo
Despedaçado
o que fica de nós
Nas batalhas sentidas cá dentro
Por isso é que eu sigo esse brilho da noite
Que é estrela ou chama
Olhar ou mar
E vou procurar essa luz
Mas só quero lá chegar contigo

Feitos de tempo em mil pedaços
De escuro e luar
Há uma noite que é escolhida pra ser
Essa noite que se há-de guardar
Por isso é que eu sigo esse brilho ou calor
Que é estrela ou chama
Ou tu em mim
E vou pra poder descobrir
Quem é que ainda sou contigo

Dispo o cansaço e recomeço
Mais uma vez
Há um sorriso que nos salva do frio
E recolhe o que a vida desfez
Se me desarmo noutro feitiço
Num outro olhar
Há um abrigo que não deixa morrer
Quem nós somos e o que temos pra dar
Por isso é que eu sigo esse brilho da noite
Que és tu em mim
Ou quem eu fui
E vou pra poder descobrir

Quem é que ainda sou contigo

Mafalda Veiga

Reencontro as minhas canções, aquelas intemporais que fazem companhia quando a noite se instala pesadamente sobre mim e o sono me falta. Não sei de onde vêm mas nas últimas horas têm germinado em mim ideias e ideais de vida que remetem para qualquer lugar longe daqui, ainda que outras insistam num olhar diferente sobre o que já conheço. Os meus passos traem-me ao tomar consciência da origem dessas ideias e muitas vezes penso que assim não fazem sentido porque não nasceram só de mim e não podem ser levadas a cabo só por mim… Por outro lado, apetece-me sair e colocá-las, a todas, em prática, para poder dizer “eu consegui”, “eu não tive medo”, qual menina rebelde que foge de casa sem deixar carta. A procura recomeçou, catapultada pelos acontecimentos dos últimos dias, pelas pessoas que me continuam a empurrar, pelo Camus que já chama por mim para que lhe leia A Peste. Não sei até onde vou conseguir ir, não sei sequer se vou sair do mesmo lugar, não vou certamente trair memórias que não são só minhas e que escondem o vazio na minha alma, mas sei que vou continuar a fazer o que me apetece porque só assim será verdade em mim. Receio e nego uma camuflagem daquilo que esperava vir a viver neste momento, quero acreditar que é real e não de vai desvanecer, como tantas outras coisas, ao nascer-do-sol.

“Por isso é que eu sigo esse brilho da noite” sem saber ainda onde isso me vai levar…

sexta-feira, agosto 03, 2007

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

[...]

Adeus.

Eugénio de Andrade