sexta-feira, agosto 03, 2007

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

[...]

Adeus.

Eugénio de Andrade

3 comentários:

Ana Cristina disse...

depois de algum tempo ausente!
escrevo para dizer que sinto esse poema como meu!
para o colocares num post, certamente tb o sentes como teu!

beijos

Ana Cristina disse...

...:-)
almourol é simplesmente lindo!
aliás como muitos sitios no nosso pequeno/grande Portugal!
fiquei fã!
quando pensares em lá ir...avisa... pode ser que consiga guiar-te de kayake!;-)

bjs

José Lima disse...

Surdo, Subterrâneo Rio

Surdo, subterrâneo rio de palavras
me corre lento pelo corpo todo;
amor sem margens onde a lua rompe
e nimba de luar o próprio lodo.

Correr do tempo ou só rumor do frio
onde o amor se perde e a razão de amar
- surdo, subterrâneo, impiedoso rio,
para onde vais, sem eu poder ficar?

Eugénio de Andrade