domingo, agosto 19, 2007

Mais uma vez, deparo-me brutalmente com a efemeridade da vida… Hoje foi dia de visitar aqueles que já ouviram as fatais palavras de um médico: “Não há nada a fazer…”
Resignados nos seus últimos dias, recebem visitas que não podem dizer “as melhoras” ou “vai tudo correr bem!”. Encarno, de novo, o Homem Absurdo de Camus ou Raúl Brandão… O ridículo da morte…
Pensamentos que se cruzam com o meu caminho mental dos últimos dias…
Estas foram pessoas de luta e entrega… Viveram (desperdiçaram?) as suas vidas em nome de um ideal de sacrifício e privação, que os levaria um dia ao “Céu”. Dizem agora que isto é apenas uma passagem… De que vale existir durante 60, 70, 80 anos a esperar por algo que não se sabe se vem? Será que valeu a pena?

Toda a gente fala no céu, mas quantos passaram no mundo sem ter olhado o céu na sua profunda, na sua temerosa realidade? O nome basta-nos para lidar com ele. Nenhum de nós repara no que está por detrás de cada sílaba: afundamos as almas em restos, em palavras, em cinzas.” (pp. 18)

A morte é absurda, mas mais ainda é existir e penar, no único minuto que temos entre o nada e o nada. A haver um Céu, seriam dele merecedores os conformistas, apáticos em esperas vãs, numa vida de causalidades atribuídas a entidades exteriores? A haver um Céu, quais seriam os critérios? Inertes ou lutadores?

“Que outra coisa fizeste na vida senão esperar a morte?” (pp.41)

“Então para que nasci? Para ver isto e nunca mais ver isto? Para adivinhar um sonho maior e nunca mais sonhar? Para pressentir o mistério e não desvendar o mistério?” (pp.41)

Antes, estas e outras palavras derrotistas e absurdas, retiradas do meu fiel Húmus, livro de cabeceira, ao qual faltam ler 10 páginas desde há 3, 4 anos, faziam-me todo o sentido. Com o tempo fui aprendendo a roubar vida a esta existência efémera e hoje não me consigo ver de outra forma. Agora eu deixei de ser Raúl Brandão para ser o Gabiru e acreditar no sonho.

Ultimamente tenho pensado (é mais um “sonhar acordado” do que outra coisa) na minha vida daqui a um ano. Emprego, independência financeira, finalmente um substrato para as minhas viagens, para a fotografia, para tudo o que hoje não posso fazer, apesar de até ter tempo. Yaris passaria a ser meu e não teria tantas limitações espaciais. Era mais uma vez a estrada a chamar-me. Mais uma vez a realidade acorda-me para me lembrar das células manhosas, das velhices, das incapacidades e da minha condição de “bombeira” solitária.

Hoje revolto-me por várias razões. Pelo absurdo da morte. Pelo absurdo da morte anunciada para quem não fez outra coisa na vida que não esperar o que vem depois da morte. Pelo absurdo da morte para quem ainda não acabou tudo o que queria fazer nesta vida. Revolto-me mais ainda por não ser a morte a única a levar-nos os sonhos. Não quero ficar parada. Não caibo nestas quatro paredes, preciso de partir… E quando mais me aproximo do cume da montanha das possibilidades, mais me puxam os pés em direcção ao vale.

“É tudo tão fugaz e tão breve”. Ouço e ouço e sei que tenho que arrancar madrugadas e gargalhadas mas não consigo acreditar que nem tudo o que nos ata nos pode prender… Tento, cada vez mais, lutar contra esta efemeridade e não fazer demasiados planos nem embarcar em princípios e promessas vazias. Naqueles breves segundos antes de tudo acabar, quero saber e sentir que agi sempre consoante aquilo que era verdade para mim. Talvez por isso as árvores hoje pareciam mais verdes e o rio mais brilhante. Estou farta de perder tempo em adiamentos!! Estou farta de viver na mediania em todos os sentidos (excepto talvez o intelectual que é onde ainda consigo ir mais longe)! Quero partir!! Será que algum dia terei a possibilidade de fazer aquilo que preciso para ser uma pessoa realizada? (Ou pelo menos mais perto da realização, para não estabelecer objectivos não plausíveis.). Sei o que quero, mas será que a vida sabe? E porque é que não me deixa? Antes contava os anos que me faltavam até angariar os fundos necessários. Agora já nem olhar para o calendário me conforta e sinto-me, cada vez mais, a sufocar.

Acima de tudo, quero viver para evitar a imagem que me ocorre constantemente: velhinha enrrugada, a definhar numa cama, ao lado de alguém que não foi O grande amor, a recordar as viagem que queria ter feito, as pessoas que gostava de ter conhecido, os trabalhos que gostava de ter tido, a pessoa que gostava de ter sido.

será?

3 comentários:

José Lima disse...

"Será?" Eu sei que sim, sei que a ti não basta sonhar, há pessoas que quando acabam de percorrer o seu caminho olham para trás para o que gostariam de ter feito ou como gostariam de ter sido, tu vais olhar para trás e recordar o que fizeste com um sorriso na cara, com palavras orgulhosas e com um sentimento de completude de teres sido aquilo que querias ter sido, sempre verdadeira contigo própria.

Ana Cristina disse...

Grande texto!
Adorei...Parabéns!
bjs

Drifter disse...

Não vivas para evitares os males maiores...
Põe um pouco de ti em tudo o que fazes e deixa um pouco de ti em cada pessoa que olhas. Contigo, não é difícil... Tens tudo para deixares o mundo à tua volta mais alegre e mais quente! No "Fim", sejas quem fores, se souberes quem és e se souberes que deixaste algo neste mundo (nem que seja a memória de um olhar), saberás que valeu a pena... Podes fazer projectos infinitos, mas a vida nunca correrá como planeias... Ela tem este dom de nos trocar as voltas e de nos torcer até não sabermos por onde sair. Mas acabamos por sair, e acabamos por descobrir coisas novas. Descobrimos aqui e ali mais uma coisa que nos faz dizer: lindo! E depois, ficamos espantados por estarmos vivos! Haverá algo mais avassalador que o espanto pela vida?
O que há a fazer é viver... Viver, observar e absorver o mundo e, acima de tudo, darmo-nos ao mundo! Mostrar ao mundo, mesmo nas mais pequeninas coisas, que estamos realmente vivos e não somos apenas uns corpos animados... Como é que podes fazer isso? Sê tu própria e não tenhas medo! Não tenhas medo, porque se tu fores verdadeira e deixares um bocadinho de ti em tudo o que fizeres, não precisarás de te preocupar com as rugas que tens ou com quem tens ao lado na cama, porque não definharás! Viverás até ao fim pois o teu espírito não te permitirá outra coisa!

Um beijo de um amigo