domingo, fevereiro 04, 2007

Vai


Um abraço rápido
Uma carícia breve
Umas mãos que se desenlaçam.
Passos rápidos para o veleiro de onde já chamam.
Não sabes tu,
Como no meu peito se cravam punhais de gelo ao ver-te partir…
E pensar que o teu caminho passaria por mim…
Mas não.
Deixei-te ir.
Não, não deixei!
Só se deixa quem está em posição de ser deixado.
E tu não.
O meu coração deixou-te partir.
Voltas-te para mais um aceno.
Sorrio e retribuo com mais energia do que aquela que realmente tenho.
Gritam por ti.
Apressas o passo.
“Vai!”
Está certo, tudo no mundo está certo.
Abraças os teus companheiros de viagem.
Vai ser uma longa jornada.
Pousas os sacos, agarras o corrimão e levantas a tua cabeça ao vento.
Está tudo pronto para começar.
Toca o sinal.
Acenas-me.
Mas as lágrimas já correm pela minha face.
É tão longe que não podes ver.
Não queria que visses.
Sorri quando decidiste.
Procurei mapas contigo.
Passamos horas com planificações.
E aqui estou eu na despedida.
Vais ser feliz, eu sei.
Solta as amarras.
E os punhais cravam e rodam dentro do meu peito.
Não vou deixar morrer os teus poemas, as tuas imagens, as tuas canções.
Tudo o que és viverá em mim.
O meu amor será teu para sempre, como sempre foi, como é agora.
Ainda que essa viagem te leve necessariamente a outros braços.
Escolheste-os.
Está certo portanto.
Os meus estarão sempre aqui abertos para ti,
Quando quiseres visitar as origens.
Talvez já tenha eu partido para a minha jornada.
Mas os meus braços estão contigo onde fores.
O meu olhar vai estar impregnado do teu olhar,
E o teu do meu, certamente…
Partilhámo-lo.
O meu amor é teu.
Nunca to disse.
Quero saber-te livre.
Quero que faças as tuas escolhas.
Quero que sigas o teu caminho.
Dizer-to era apertar-te uma asa.
De cada vez que voltas aqui, partes confuso.
Egoísta.
A tua presença é em mim a luz no abismo.
Egoísmo.
A minha é para ti a escuridão do incerto.
Oh, mil vezes egoísmo.
“Vai!”
O veleiro é já apenas um vulto no horizonte.
E uma parte de mim vai com ele.
Não quero que deixes nada.
Quero-te livre e feliz.
Tenho-te mais do que qualquer pessoa possa algum dia ter,
Porque te deixei partir.
“Vai!”
Os gritos das gaivotas,
A chuva a cair na terra,
As ondas do mar rebentando nos rochedos,
O crepitar da madeira na velha lareira,
E todos os sons da natureza
Serão recordações.
Lembrança da tua voz calma,
Do teu sorriso tímido,
Do teu olhar acolhedor,
De ti.
Dizer-to ia fazer-te parar no caminho.
Não quero influenciar escolhas.
Escolheste outro olhar, outras palavras, outros braços.
“Vai!”
E no entanto tudo isso continua aqui para ti,
Com a diferença de que já não espera.
Solta as amarras do pensamento.
Corre numa praia deserta ao nascer do sol.
Sobe uma montanha e senta-te no cume ao poente.
Escreve o teu livro no banco do jardim de uma grande cidade.
“Vai” e surpreende-me com um postal daqui a uns anos.
Caminha com o teu mais alto sentido de verdade,
De braço dado apenas com a liberdade,
E pára apenas para olhar uma paisagem
E nunca para ficar.
“Vai!”
O meu amor é uma vela acesa
Mas que de nada serve se não a podes ver.
Resta-me desejar-te
Boa Viagem.
Até sempre.
“Vai!”




[com uns pozinhos de Bittersweet de Within Temptation e um cheirinho de Ausência de Vinicius de Moraes]

1 comentário:

Drifter disse...

Bem... Que texto!
Arrepiante!