quinta-feira, fevereiro 01, 2007

"Procura-se um Amigo

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaros, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo. (...)

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive."

Vinícius De Moraes


Encontrei este texto enquanto procurava citações para colorir o meu trabalho, que ainda só tem uma página, mas terá mais.
De facto, os amigos são as pessoas com quem partilhamos os pequenos orvalhos da vida e assim, sentem e vivem connosco, mesmo quando não estão realmente ali perto de nós.
Por norma não gosto de definições, e tenho muitas críticas a apontar a esta, principalmente pelo "dever" implícito numa relação em que o único "dever" é não dever nada a ninguém e apenas Ser e Estar. Além disso, o amigo não precisa de gostar das mesmas coisas, pelo menos não de todas, e não tem que fazer "parar de chorar", pelo contrário, pode muito bem estender-nos um lenço como quem diz "aqui pode-se chorar, leva o tempo que quiseres."

É nos momentos em que o mundo parece que vai desabar, porque a vida que julgavamos controlada nos prega partidas, que damos mais valor a estas pessoas. Solto uma gargalhada. Lembro-me dos posts antigos, pedia para ser, para criar, para que as minhas responsabilidades para com a sociedade não me impedissem de percorrer o meu caminho para a realização. Recordo a pirâmide das motivações em que a Realização Pessoal vinha no topo, depois de todas as outras necessidades, e com toda a razão. Porque quando nos falta um desses alicerces, a Realização deixa de ver vista como um objectivo imediato e outras motivações se impõem. E essa mesma sociedade, esse mesmo sistema que me atava os pés quando eu queria correr, tem uma parte de culpa pelo que está a acontecer.
Sim, temos a maior árvore de Natal da peninsula ibérica, tivemos o euro e vamos ter um TGV e outro aeroporto, mas os tijolos básicos, como os serviços de saúde, continuam a não funcionar.

Ainda assim, o raio da sociedade e as suas convenções, a treta do sistema e das prioridades do estado, tudo isso pode faltar se tivermos perto de nós pessoas a quem possamos chamar de Amigos que nos digam que vale a pena viver mas não necessariamente porque a vida é bela.

Asas cortadas, aqui vou eu em queda livre para a incerteza do que me espera.

1 comentário:

Marcos Sobral disse...

o post ta td lindo, mas o texto do Vinicius ta simplesmente brutal.... LINDO !! konkordo k kada palavra, kada letra k ele (e tu tb) escreve....