Eu e a minha companheira de transportes esperamos pelas 10h num banco de pedra. O repuxo em frente é apelativo na sua coreografia sincronizada de jactos explosivos. Impossível parar de observar e esperar a dança seguinte… princesas, meninas aos saltos, coisas “farfalhudas”…. Tudo vale na nossas imaginação… Certas combinações tornam os ânimos mais efusivos e por mais de 15 minutos é só o que existe… os sons da água consoante a combinação das torres, o trânsito e as manifestações de quem perdeu a paciência com o carro vizinho, o sol quente da manhã, uma nova combinação no repuxo à nossa frente… O fim do mundo está próximo… O FIM DO MUNDO????
Sem que tenha dado conta, pára perto de nós uma velhinha que, julgava eu, queria aliviar a sua solidão ou pedir uma informação. Mas não, vinha tentar oferecer revistas porque o fim do mundo estava perto… Dizia que devíamos aproveitar as coisas belas da vida, ao que lhe respondi, com todo o respeito que merece uma senhora daquela idade, que eu estava a fazer isso mesmo naquele jardim, apreciando aquele repuxo. Parece que não quis saber, fiz notar o meu desinteresse pela temática, e continuei a fitar o meu repuxo, tendo que me desviar um pouco para tal. E continuava a ouvir “fim do mundo”, o “fim do mundo”, o “fim do mundo”… Mas parece que um tal deus estava a oferecer uma oportunidade para algumas pessoas se salvarem! Mas afinal não era o fim do mundo!? Não tinha dito eu que não estava interessada, que só queria ver o meu repuxo!? Não estava já eu a fazer o que queria que eu fizesse por meio das revistas e de um deus?! Não estaria já a “aproveitar a vida”?! (Ou a tentar, já que me tinha interrompido o momento Zen...)
Por respeito à idade da senhora, e tendo já assertivamente explicado o meu desinteresse pela questão, não tentei fazer calar… E no entanto, no meu conceito de respeito, deixar falar sem ouvir é ainda mais desrespeitoso… Permitir que se acredite em algo que eu acho que não existe, é ainda mais, mas quanto a isso, acho que não posso fazer nada…
Já são 10h, vamos?