Há Amigos e Amigos…
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“Nós ficamos montes de tempo sem falar e, no entanto, quando falamos, é como se tivéssemos falado ontem, e não perdemos o à vontade um com o outro, não é?” (*)
Soa-vos familiar?!
E porque razão isto funciona para umas pessoas e não para outras?! Ao longo da vida vamos fazendo amigos, por onde passamos. Às vezes consideramos um “melhor amigo” numa dada época, mas mesmo esse pode passar na rua, tempos depois, e não nos cumprimentar, ou dizer um “olá” pensando “Falo-lhe ou não!? Será que me reconhece?!”. No entanto, outros (“melhores amigos” ou não) mostram-nos o seu melhor sorriso e a conversa começa a correr como se se tivessem aberto as comportas do rio.
Ás vezes reencontramos pessoas com quem não estamos há muito e falamos sobre os nossos “grupos” de outrora, onde andam as pessoas, o que estão a fazer… Outras vezes apenas paramos para pensar naqueles que passaram na nossa vida. Temos necessidade de ligar a uns e combinar saídas, mas não a outros, também amigos, mas que por qualquer razão achamos que a nossa proposta vai parecer “fora de tempo”.
Há relações para as quais o tempo não existe.
Outro dia diziam-me (e desde aí fiquei com a vontade de escrever dobre isto) “já não podemos falar dos mesmos assuntos, não podemos rir das mesmas pessoas! Quando estamos juntos já não é igual.”. No entanto, continuam a existir amigos intemporais, e cada parte sente isso, principalmente no reencontro.
Fiquei então a pensar qual seria a diferença entre estes dois tipos. Amigos de época e Amigos intemporais.
Qual é o tipo de relação com estes amigos?!
Somos colegas e vamos para a borga todos juntos?! Falamos sobre pessoas e alguns acontecimentos?! Talvez sejamos até um grupo fechado, com as nossas questões e as nossas actividades circunscritas.
Aqui, quando o grupo se dilui (mudança do factor comum que funcionava como “cola”), e as pessoas se afastam, muitas vezes não faz sentido “combinar” mais saídas, ou combinam-se no mês seguinte, mas rapidamente esse “hábito” se desvanece (querem melhor exemplo do que os jantares de turma?!). Ainda que não seja um grupo, mas uma pessoa isolada, com quem falamos de pessoas e acontecimentos, como é quando a reencontramos?! “o que estás a fazer agora?!” e pouco mais. Esses acontecimentos já estão no passado, bem como as pessoas que constituíam os temas de conversa. As “borgas” e actividades do grupo só faziam sentido naquele contexto, com aquela “cola” que já passou de prazo. Lembro-me ainda dos amigos periódicos, com quem estamos numa determinada época do ano, nas férias ou nas terrinhas. Não faz sentido estar com eles fora dessas circunstâncias, embora sejam muito amigos quando estão juntos. Estes são os amigos temporais.
Depois há os outros com quem falamos, certamente, de pessoas e acontecimentos, mas, mais do que isso, de ideias… e as ideias nunca passam de época e, melhor do que isso, estão sempre a evoluir! Quando mais tempo passamos afastados, mais ideias formamos e aperfeiçoamos, por isso não só há sempre conversa, como esta partilha é sempre produtiva permitindo o enriquecimento dos dois lados (ou mais). Quando reencontramos estas pessoas sabemos que elas vão estar ali como dantes, porque o tempo não mata ideias. Não importa onde vamos estar ou com quem, porque estas relações não dependem de factores externos (profissionais ou relacionados com actividades), ou então já dependeram e ultrapssaram esse contexto. Penso nisto como um mecanismo adaptativo: se não existissem estas relações constantes ao longo do tempo, teríamos que estar sempre a começar relações novas e a lutar constantemente para as manter depois de derretida a cola (isto se fizesse sentido lutar). Os amigos intemporais não lutam, estão connosco ao longo da nossa jornada e vão aparecendo de vez em quando, quando o acaso ou as partes se lembram, mas, acima de tudo, sem esforço.
As tipologias ajudam-nos a organizar o mundo, mas ele é bem mais complexo do que isso. Foram estas as conclusões a que cheguei depois de analisar os meus “amigos de sempre” e aqueles (não menos amigos) cuja relação era e é sujeita a contingências.
Pensei nas longas conversas sobre ideologias e dissertações sem fim sobre questões sem resposta. Lembrei-me da infinidade de vezes em que essas ideias reaparecem meses ou anos depois, como se fosse um continuar da conversa. Cada uma das pessoas mudou, o mundo mudou, o tempo passou, mas ficou esta ligação. Este tipo de cumplicidade não se desvanece com o tempo.
"Não fiques desanimado com as despedidas. Uma despedida é necessária antes de poderes ter um novo encontro. E um novo encontro, após momentos ou tempos na vida, é certo para aqueles que são amigos."
Ilusões, Richard Bach
(*) Estava eu com o documento de Word aberto e este texto começado, quando me dizes isto… E ainda há quem não acredite da cumplicidade dos gémeos… ;)
(Photo by me – Cumplicidades)